Introdução
O tumor urotelial da bexiga é responsável por 90-95% dos carcinomas uroteliais. O adenocarcinoma da próstata (CaP) é a neoplasia maligna visceral mais comum no sexo masculino e uma das principais causas de morte oncológica. A coexistência de ambos os tumores no mesmo indivíduo é considerada comum. A cistoprostatectomia radical com linfadenectomia e derivação urinária é o tratamento gold standard para doentes com carcinoma urotelial vesical músculo-invasivo. O CaP incidental, na literatura, está descrita como presente em cerca de 37,9% dos cistoprostatectomizados.
Ilustrar a presença de CaP incidental em doentes submetidos a cistoprostatectomia radical no nosso serviço.
Os dados clínicos referentes a 72 homens, no período compreendido entre 2008 e 2013 na nossa instituição foram analisados retrospectivamente.
Evidenciou-se CaP incidental em 19,4% dos doentes, sendo mais prevalente nos doentes com mais de 70 anos. As lesões detetadas eram de pequena dimensão e confi nadas à próstata. Quatro casos (5,6%) de CaP incidental clinicamente signifi cativo: um Gleason 7 (3 + 4), pT3b; um Gleason 7 (3 + 4), pT2c; um Gleason 7 (3 + 4), pT2a; um Gleason 6 (3 + 3), pT2b, mas com margem cirúrgica (uretral) positiva. O padrão histológico mais prevalente foi o padrão Gleason 6 (3 + 3) (78,6%). Nos restantes casos predominou o estadiamento pT2b em 7 casos (9,72%). Houve 4,2% dos casos igualmente de pT2a e pT2c (3 casos cada). O volume tumoral em 78,6% (11 casos) foi inferior a 0,5 cc e em 22,4% (3 casos) superior ou igual a este valor. Apenas houve um doente com recidiva bioquímica ao fi nal de 7 meses de follow-up, tendo iniciado hormonoterapia nessa altura.
A taxa de CaP incidental identifi cada foi próxima daquela encontrada na literatura, sendo esta muito variável, dependendo da defi nição, do tipo de análise histopatológica como da própria metodologia do trabalho. O CaP incidental clinicamente signifi cativo, mais raro, requer um follow-up mais cuidado, condicionando o prognóstico do doente. A avaliação pré-operatória atual é insufi ciente para determinar com exatidão que tumores se incluem neste grupo. O tratamento adjuvante destes tumo res após a cistoprostatectomia tem sido abordado como se de um CaP pós-prostatectomia radical se tratasse. Uma via de carcinogénese comum entre o CaP e o tumor urotelial tem sido sugerida e estudada. A cistectomia poupadora de próstata pode ocorrer em indivíduos selecionados mas com um risco oncológico conhecido para progressão e recorrência da doença, com benefícios funcionais questionáveis.
Incidental prostate cancer in patients who performed radical cystoprostatectomy
Bladder cancer is responsible for 90-95% of urotelial carcinoma. Prostate Cancer is the most prevalent visceral tumor for males and one of the main oncological death causes. The presence of both tumours in the same individual is considered common. Radical cystoprostatectomy with lymphadenectomy and urinary diversion is the gold standard treatment for muscle-invasive bladder cancer. Incidental prostate cancer is described as being present in about 37.9% of cystoprostatectomy patients.
To demonstrate the presence of incidental prostate cancer in cystoprostatectomy patients at our department.
Clinical data concerning 72 men, from 2008 to 2013, at our institution were retrospectively reviewed.
There was incidental prostate cancer in 19.4% of patients, being more frequent in patients older than 70 years of age. Lesions detected were small and circumscribed to the prostate. Four patients (5.6%) had clinically significant prostate cancer: one with a Gleason 7 (3 + 4), pT3b; one with a Gleason 7 (3 + 4), pT2c; one with a Gleason 7 (3 + 4), pT2a; and finally one with a Gleason 6 (3 + 3), with a positive surgical (urethral) margin. The most common histological pattern was Gleason 6 (3 + 3) (78.6%). pT2b predominated in 7 patients (9,7%). There were equally 4.17% of patients with a pT2a and pT2c (3 patients each). Tumoral volume was inferior to 0.5 cc in 78.6% (11 patients) and superior/ equal to 0.5 cc in 22.4% (3 patients). There was only one patient with a biochemical relapse after 7 months of follow-up, initiating hormonal therapy at that time.
Incidental prostate cancer rate was close to the one reported in the literature, being very variable, depending on the definition, the type of histopathological analysis, as the particular methodology of the study. Significative incidental prostate cancer was rare, requiring a closer follow-up with direct implications on the patient’s outcome. Standard pre-operatory evaluation is insufficient to determine precisely which tumours are eligible to this category. Adjuvant treatment for these tumours following cystoprostatectomy has been the same as if it were a prostate cancer following radical prostatectomy surgery. A common carcinogenesis pathway has been proposed and is currently being investigated. Prostate sparing cystectomy may occur in very selected individuals with a known oncological risk for disease progression with questionable functional benefits.
Adenocarcinoma da próstata incidental ; Carcinoma ; Adenocarcinoma cistoprostatectomia ; Cistectomia
Incidental prostate cancer ; Carcinoma ; Adenocarcinoma cystoprostatectomy ; Cystectomy
O tumor da bexiga é o 9° cancro mais comum no mundo, com uma incidência de 380.000 casos por ano, sendo quase quatro vezes mais prevalente em homens1. ; 2. . Causa 150.000 mortes por ano, um valor que não se tem alterado significativamente nos últimos 30 anos3 . Já o adenocarcinoma da próstata é a neoplasia maligna visceral mais comum em idosos do sexo masculino na Europa, e uma das principais causas de morte por cancro4 . A sua prevalência excede a da doença clinicamente detetável tendo uma taxa de CaP em autópsia de 30% aos 50 anos e de 70% aos 80 anos3 . A presença simultânea de ambos os tumores no mesmo indivíduo é considerada comum4 , e há mesmo quem advogue que é superior àquela encontrada na restante população5. ; 6. .
A cistoprostatectomia radical com linfadenectomia e derivação urinária é o tratamento standard para doentes com carcinoma urotelial vesical músculo-invasivo7. ; 8. . O seu benefício oncológico é inegável mas causa alterações funcionais drásticas na qualidade de vida do homem, no que diz respeito à função erétil, fertilidade e incontinência urinária9 . O desenvolvimento de uma derivação ortotópica e técnicas “nerve-sparing” tem garantido uma diminuição da morbilidade associada a este procedimento com preservação da imagem corporal, micção uretral praticamente normal com a preservação da continência diurna satisfatória e função erétil10 . Com este objectivo começam a surgir trabalhos publicados acerca da cistectomia poupadora de próstata, de forma completa ou parcial11. ; 12. ; 13. ; 14. ; 15. ; 16. ; 17. ; 18. . Há inclusivamente casos de cistectomia combinada com enucleação de “adenoma” prostático15. ; 18. ; 19. ; 20. ou de cistectomia precedida de RTU-P com preservação da cápsula prostática14 .
A sua validade, ou pertinência, continua uma questão ainda em aberto na literatura científica, sem haver ainda um consenso acerca da sua segurança oncológica.
Todas estas técnicas, com objectivo assumido de preservação da ereção e fertilidade apresentam dois riscos essenciais: (1) o envolvimento da próstata por carcinoma urotelial e (2) presença de adenocarcinoma da próstata incidental21 .
O envolvimento da próstata por carcinoma urotelial em amostras de cistoprostatectomia radical é de cerca de 12-40%21. ; 22. ; 23. ; 24. ; 25. ; 26. . Este envolvimento pode ter origem na extensão direta de tumores do trígono, do colo vesical ou da uretra prostática (ductos prostáticos proximais); por manipulação/instrumentação do aparelho urinário em doente com neoplasia vesical; ou através do efeito de campo vesical (exposição do urotélio a carcinogéneos)26. ; 27. .
Geralmente o adenocarcinoma da próstata incidental implica uma doença clínica ou biologicamente insignificante, no entanto, esta definição tem variado e evoluído ao longo do tempo. A categorização deste tumor em significativo e não-significativo, assente em parâmetros patológicos, é a mais consensual. Assim, um adenocarcinoma da próstata incidental não-significativo define-se como: volume tumoral inferior a 0,5 cc; score de Gleason inferior ou igual a 6, sem evidência de Gleason 4 ou 5; tumor confinado à próstata28 .
Os dados clínicos referentes a 72 homens submetidos a cistoprostatectomia radical na nossa instituição no período compreendido entre 2008 e 2013 foram analisados retrospectivamente. Doentes com história prévia de adenocarcinoma da próstata foram excluídos. Todos os doentes efetuaram cistectomia radical aberta, com prostatectomia e linfadenectomia íleo-obturadora.
O tumor vesical foi diagnosticado histologicamente por ressecção transuretral. As indicações para cistoprostatectomia radical foram a presença de doença músculo-invasiva, carcinoma in situ refractário às instilações intravesicais do Bacillus Calmette-Guerin e tumor superficial multifocal recorrente, de alto grau. O status do colo vesical e da uretra prostática foi avaliado através de ressecção transuretral.
Todas as amostras histopatológicas foram analisadas numa única instituição, e classificadas de acordo com a classificação Tumour Node Metastasis (TNM) de 2009, estabelecida aquando da 7ª edição da Union Internationale Contre Le Cancer29 .
Os resultados do toque retal pré-operatório não estão disponíveis. Os valores de PSA pré-operatório disponíveis foram registados. A presença e localização do adenocarcinoma da próstata incidental foi registado, bem como score de Gleason, margens cirúrgicas e características patológicas do tumor vesical.
A presença de adenocarcinoma da próstata incidental clinicamente significativo foi definida como tumor com um classificação de Gleason 4 ou 5, estadiamento ≥ pT3, envolvimento de nódulos linfáticos, margens cirúrgicas positivas ou multifocalidade de 3 ou mais lesões28 .
A recorrência bioquímica pós-cirúrgica foi definida como dois valores de PSA consecutivamente > 0,2 ng/mL30 .
A pesquisa científica complementar foi feita na base de dados da Pubmed remontando aos últimos 10 anos. As palavras chave usadas foram “bladder cancer” e “incidental prostate cancer”, “incidental prostate cancer” e “cystoprostatectomy”. Também os trabalhos de relevância referenciados na bibliografia fora da janela temporal inicialmente definida foram incluídos, dado tratarem-se de trabalhos importantes para a discussão presente.
Apenas as publicações em Inglês foram consideradas.
No período de 2008 a 2013, um total de 72 doentes foram submetidos a cistoprostatectomia radical e 14 foram diagnosticados com adenocarcinoma da próstata incidental. Os resultados em detalhe estão descritos na tabela 1 .
CaP incidental | Total de doentes | |
---|---|---|
N / % | ||
Número total (n) | 14 (19,44%) | 72 |
Idade média, em anos | 71,36 | 69,58 |
< 60 anos | 1 (1,4%) | |
61-70 anos | 4 (5,6%) | |
> 70 anos | 10 (13,9%) | |
PSA | ||
Médio pré-cirúrgico (ng/mL) | 2,43 | 1,52 |
Não disponível (doentes) | 3 | 23 |
Focalidade (nº/%CaP) | ||
Monofocal | 2 (14,3%) | - |
Multifocal | 12 (85,7%) | - |
Localização tumoral (nº/%CaP) | ||
Zona periférica | 2 (14,3%) | - |
Zona central | 0 | - |
Zona de transição | 0 | - |
Todas as três anteriores | 4 (28,6%) | - |
Apex | 4 (28,6%) | - |
Apex + ZP/ZC/ZT | 4 (28,6%) | - |
pT (nº/%CaP) | ||
pT0 | - | 54 (75%) |
pTis | - | |
pT1 | - | |
pT2a | 3 (21,4%) | |
pT2b | 7 (50%) | |
pT2c | 3 (21,4%) | |
pT3a | - | |
pT3b | 1 (7,1%) | |
pT4a | - | |
pT4b | - | |
Margem cirúrgica (nº/%CaP) | ||
Negativa | 13 (92,3%) | |
Positiva | 1 (7,1%) | |
Volume tumoral (nº/%CaP) | ||
< 0,5 cc | 11 (78,6%) | |
≥ 0,5 cc | 3 (21,4%) | |
Clinicamente signifi cativos (nº/%CaP) | 4 (28,6%) |
Os 14 casos identificados de carcinoma da próstata incidental correspondem a uma taxa de 19,44% com uma idade média de 71,36 anos, com um PSA médio de 2,43 ng/ml (janela 0,9-10,3). O CaP incidental foi detetado em 1,4% dos doentes com menos de 60 anos, 5,6% entre os 61 e os 70 anos, e 13,9% acima dos 70 anos.
As lesões tumorais incidentais identificadas foram, de uma foram geral, de pequena dimensão e confinadas à próstata. Foram detetados 4 casos (5,56% em relação ao total de cistoprostatectomias efectuadas, mas de 28,6% em relação ao total de adenocarcinomas incidentais identificados) de adenocarcinoma da próstata clinicamente significativo: um deles por presença padrão histológico Gleason 7 (3 + 4) e com invasão das vesículas seminais; outro também com score final Gleason 7 (3 + 4), com envolvimento bilateral superior a 50% da glândula; outro também com score final de Gleason 7 (3 + 4), com envolvimento de < 50% de um dos lobos prostáticos; e finalmente um tumor com um padrão histológico Gleason 6 (3 + 3), mas com margem cirúrgica (uretral) positiva. O padrão histológico mais prevalente, em 78,6% dos casos, foi o padrão Gleason 6 (3 + 3). Nestes restantes casos de adenocarcinoma da próstata incidental, o perfil era mais favorável (estadiamento patológico, score de Gleason, invasão perineural e vascular) que os tumores da próstata detetados clinicamente. O estadiamento local do tumor primário prostático revelou uma predominância de tumor bilateral a ocupar menos de metade do volume da glândula (pT2b) em 7 casos (9,72%), com 4,17% dos casos igualmente de pT2a e pT2c (3 casos cada). O volume tumoral em 78,6% (11 casos) foi inferior a 0,5 cc e em 22,4% (3 casos) superior ou igual a este valor.
Relativamente ao follow-up (tabela 2 ), a derivação não ortotópica foi efetuada na maioria dos doentes com adenocarcinoma incidental da próstata (85,7%). Num dos casos houve recidiva bioquímica ao final de 7 meses de follow-up, tendo iniciado hormonoterapia nessa altura.
Nº | Idade | TNM CaP | Derivação urinária | Gleason/ Margens | CaP clinicamente signifi cativo | Follow-up (meses) | Recidiva bioquímica | Outcome |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
1 | 67 | pT2a | Não-ortotópica (conduto ileal) | 6/- | Não | 51 | Sem recidiva | RT adjuvante(CU) |
2 | 60 | pT2a | Ortotópica (neobexiga) | 6/- | Não | 55 | Sem recidiva | Vivo |
3 | 80 | pT2b | Não-ortotópica (conduto ileal) | 6/- | Não | 12 | Sem recidiva | Perdido. Sem Fu |
4 | 77 | pT3b | Não-ortotópica (conduto ileal) | 7(3 + 4)/- | Sim | 1 | Sem recidiva | Perdido. Sem Fu |
5 | 76 | pT2c | Não-ortotópica (conduto ileal) | 6/- | Não | 27 | Sem recidiva | Vivo |
6 | 74 | pT2b | Não-ortotópica (conduto ileal) | 6/- | Não | 9 | Sem recidiva | Vivo |
7 | 74 | pT2c | Não-ortotópica (conduto ileal) | 6/- | Não | 11 | Sem recidiva | Vivo |
8 | 61 | pT2b | Ortotópica (neobexiga) | 6/- | Não | 8 | Sem recidiva | Vivo |
9 | 67 | pT2c | Não-ortotópica (conduto ileal) | 7(3 + 4)/- | Sim | 9 | Sim | HT |
10 | 70 | pT2b | Não-ortotópica (conduto ileal) | 6/- | Não | 10 | Sem recidiva | Vivo |
11 | 77 | pT2b | Não-ortotópica (conduto ileal) | 6/- | Não | 32 | Sem recidiva | Falecido (CU) |
12 | 50 | pT2b | Ortotópica (neobexiga) | 6/- | Não | 7 | Sem recidiva | Vivo |
13 | 79 | pT2b | Não-ortotópica (conduto ileal) | 6/+ | Sim | ND | Sem recidiva | Perdido. Sem Fu |
14 | 79 | pT2a | Não-ortotópica (conduto ileal) | 7(3 + 4)/- | Sim | 2 | Sem recidiva | Vivo |
Nota: Fu – follow-up; RT – radioterapia; CU – carcinoma urotelial; HT – Hormonoterapia; ND – Não disponível; (+) margem positiva; (−) – margem negativa.
Do nosso conhecimento, este é o primeiro trabalho a descrever e a caracterizar a presença de adenocarcinoma da próstata incidental em doentes submetidos a cistoprostatectomia em Portugal. Neste trabalho analisaram-se, retrospectivamente, os achados clínico-patológicos de todos os doentes submetidos a cistoprostatectomia radical desde o ano 2008 até ao ano de 2013.
Na literatura pesquisada, a taxa de detecção de adeno-carcinoma da próstata incidental é muito variável de uma série para outra, não havendo inclusivamente consenso no que diz respeito à definição de adenocarcinoma da próstata incidental neste contexto28 . Uma série (a maior) de Bruins et al31 envolvendo um total de 1476 doentes aponta um valor médio de 37,9%. A prevalência mais elevada é apontada por Montie et el32 , de 46%, contra apenas 14%, num estudo de Delongchamps et al33 . As comparações entre os diferentes estudos são difíceis, uma vez que a maioria se trata de análises retrospectivas, as características das populações nos diferentes estudos são diferentes, o tipo de análise histopatológica é também variável e mesmo as variáveis usadas diferem (o toque retal e o PSA não estão disponíveis para todos os doentes, à semelhança do nosso trabalho). O adenocarcinoma da próstata incidental é um tumor que, potencialmente, pode requerer uma atenção particular durante o follow-up. Apesar de muitos casos serem considerados insignificantes, outros podem necessitar de terapêutica adicional específica, designadamente radioterapia ou privação androgénica34 . A definição de tumor clinicamente significativo varia entre os diferentes estudos, e segundo Autorino et al não é adequada para aplicação clínica22 . Inicialmente proposto por Stamey et al em 1993 35 , um tumor clinicamente significativo seria um tumor com um volume superior ou igual a 0,5 cc, com presença de um padrão histológico de Gleason 4 ou 5. O valor do PSA e a invasão perineural foram também propostos como variáveis que não se provaram válidas33. ; 36. . Este trabalho segue a definição proposta por Epstein et al28 , descrita na secção “Material e Métodos”: tumor com um classificação de Gleason 4 ou 5, estadiamento ≥ pT3, envolvimento de nódulos linfáticos, margens cirúrgicas positivas ou multifocalidade de 3 ou mais lesões, que tem sido a norma adoptada na maioria dos trabalhos revistos.
À semelhança do adenocarcinoma da próstata, a maioria dos CaP incidentais detetados em amostras de cistoprostatectomia radical são indolentes e clinicamente insignificantes37. ; 38. . Prever quais os doentes com os tumores da próstata clinicamente importantes é difícil e as diversas variáveis à nossa disposição não nos dão informação conclusiva. Da análise de Gakis et al11 torna-se evidente que o PSA préoperatório não é útil como factor de prognóstico de doença significativa, uma vez que os valores não diferem significativamente entre si. Também Bruins et al, na maior e mais recente série, chegou à mesma conclusão31 . O valor préoperatório do PSA para um total de um total de 49 doentes (68%) (em 23 doentes, este valor não estava disponível) foi de 1,55 ng/mL. Para os doentes cistoprostatectomizados com adenocarcinoma da próstata incidental, o valor sobe para 2,43 ng/mL, em que, dos 14 casos, não estava disponível em 3. A ausência desta análise demonstra o enfoque e atenção que é colocada no tumor vesical. A literatura disponível acerca do follow-up deste tipo de tumores incidentais é limitada mas surpreendente. Tanto Androulakais et al como Pritchett et al afirmam que o prognóstico e a sobrevida permanecem inalterados, e que estão diretamente associados às características de cada tumor individualmente, e especialmente com o tumor da bexiga38. ; 39. . Trabalhos mais recentes referem o mesmo40 , no entanto, não existe muita informação na literatura em que se analise especificamente o melhor curso de tratamento com relação à sobrevida, para este tipo de tumores. Há alguns trabalhos que referem que um único tratamento, a cistoprostatectomia, é o adequado41. ; 42. ; 43. .
Qualquer diminuição da sobrevida ocorre apenas aquando da preservação da próstata31 . Neste trabalho apenas um doente, dos 14 com adenocarcinoma da próstata incidental, foi identificado no follow-up com recidiva bioquímica, fazendo atualmente bloqueio androgénico adjuvante. Os restantes mantêm os valores de PSA abaixo dos 0,2 ng/mL. Como já foi dito na introdução, a existência concomitante de tumor vesical e prostático no mesmo indivíduo é superior ao da população em geral. Por um lado o enviesamento diagnóstico associado a uma exame clínico mais detalhado de um doente com tumor vesical pode ser uma explicação para este facto20 . Outra, a idade avançada dos doentes propostos para cistoprostatectomia31 . Uma das limitações deste trabalho é o tempo de follow-up, curto, para retirar conclusões acerca da significância do tumor da próstata. A metodologia (estudo cohort vs. revisão retrospectiva) e o tamanho da amostra são também determinantes no valor prognóstico de um ou outro tumor44. ; 45. .
Existem pelo menos duas teorias publicadas que apontam uma via de carcinogénese comum numa tentativa de explicar este fenómeno: genes supressores tumorais comuns aos dois tumores46 e demonstração, por análise imuno-histoquímica, de que o “prostate stem cell antigen” está sobrexpresso na maioria dos carcinomas uroteliais47 . A presença concomitante de tumores no trígono e CIS já foi reportado como factor de risco para carcinoma urotelial invasivo da próstata48 .
A análise histopatológica da próstata presente em amostras de cistoprostatectomia radical não está estandardizada sob nenhum conjunto de regras ou protocolo. Tradicionalmente cabe ao anatomopatologista decidir quantos blocos devem ser retirados da próstata e avaliar a existência de carcinoma urotelial vesical (i.e., pT4). Estes são removidos de forma aleatória e em pequena quantidade e com uma espessura variável. Lâminas com uma espessura superior a 5 mm podem tornar pequenos focos tumorais indetectáveis. A técnica descrita por McNeal em 1988 para as amostras de prostatectomia radical, com lâminas de cerca de 2,5 mm de espessura parece ser a indicada20. ; 49. .
Desde 1995, que Montironi et al, em Ancona, adoptaram a técnica de “sampling” completo com avaliação da totalidade da próstata, à semelhança das amostras de prostatectomia radical. Aparentemente este método é superior no que diz respeito a informação prognóstica50 . Também os seus resultados, quando comparados com a literatura mostram uma incidência de carcinoma urotelial envolvendo a próstata e CaP incidental no limite superior dos intervalos publicados. O primeiro estudo comparativo entre um processamento parcial e completo mostra que a taxa de detecção é superior no último caso, e recomenda que este seja o método escolhido, especialmente em doentes jovens51 .
Na nossa revisão, as amostras de cistoprostatectomia radical foram avaliadas em bloco. O sampling da próstata foi numa primeira fase feito de forma randomizada/aleatória e, aquando de um achado positivo, a próstata era então avaliada na sua totalidade (“whole mount”) como se tratasse de uma peça de prostatectomia radical. Este facto deixa em aberto a possibilidade do CaP incidental poder ser subestimado na nossa amostragem.
Para efetivamente tirarmos conclusões acerca da verdadeira taxa de incidência de CaP incidental, neste tipo de cirurgia, e tomarmos o devido cuidado no follow-up dos doentes, consoante a significância do tumor, é cada vez mais importante que este seja detetado na análise histopatológica das amostras de cistoprostatectomia. Para esse efeito, e como súmula, os autores sugerem a realização de um processamento ou avaliação da totalidade da próstata, com lâminas de espessura de 2,5 mm, com uropatologistas dedicados e experientes.
A cistectomia poupadora de próstata (“prostate sparing cistectomy”) foi proposta para melhorar os outcomes funcionais da cistectomia. A próstata, de uma forma parcial ou total, juntamente com as vesículas seminais, é preservada de forma a manter a função erétil, a capacidade reprodutiva e a continência. Esta técnica está indicada na doença vesical não-neoplásica, com indicação para cistectomia. O maior risco associado à cistectomia poupadora de próstata é o de recorrência da doença, dada a natureza agressiva do tumor vesical invasivo. Há quem advogue que o risco dessa técnica é muito baixo e por isso aceitável17 . Ouzaid et al, numa revisão mais recente, de 201052 , com 472 doentes e um follow-up de 47 meses, apresenta uma taxa de recorrência local e à distância de 4 e 16% respectivamente. Enquanto que a taxa de recorrência local é comparável, os resultados de metastização à distância são superiores ao da cistoprostatectomia radical. Não existem ainda estudos randomizados, com um follow-up longo a comparar doentes cistectomizados com e sem porções residuais da próstata. O risco acrescido, significativo, de CaP incidental é outro argumento major para a não recomendação desta técnica11. ; 53. ; 54. .
No aspeto funcional e segundo o trabalho de Koraitim et al, parece que a preservação do ápex prostático não melhora a continência urinária nas cistoprostatectomias com neobexiga55 . Gakis et al11 sugere que os doentes com preservação do ápex prostático e adenocarcinoma da próstata na peça cirúrgica devam ser tratados como se tratassem de doentes com margens positivas após prostatectomia radical. No entanto, a radioterapia após a derivação urinária com neobexiga levanta diversos problemas, entre eles o risco de estenose da anastomose, de ruptura da neobexiga, incontinência e disfunção erétil51 . É uma discussão ainda em aberto.
Damiano et al sugeriu uma abordagem pré-operatória sistemática no sentido de selecionar doentes para cirurgia poupadora de ápex, que envolve a realização de biópsias prostáticas trans-rectais ecoguiadas e transuretrais56 mas o seu valor prognóstico é questionável53. ; 57. . O exame extemporâneo da margem apical é também inconclusivo: apresenta uma taxa de falsos positivos de 45% aquando de uma prostatectomia radical58 e não exclui tumor no restante tecido apical11 . Na nossa série, em nenhum dos casos revistos foi feito exame extemporâneo de coto/margem uretral. A determinação do PSA pré-operatório, bem como, possivelmente, a realização de biópsias prostáticas pré-operatórias poderia identificar doentes com adenocarcinoma da próstata ou mesmo tumor vesical invasivo da próstata. Adicionalmente a utilização de métodos de imagem por ressonância magnética pode ser utilizada para a detecção e estadiamento do cancro da próstata, e inclusivamente auxiliar na realização da biópsia prostática59 . A própria biópsia transperineal tem-se provado recentemente como um método útil, especialmente em doentes com neoplasias na vertente anterior da próstata (já com biópsias transrectais negativas prévias) como para doentes sem orifício anal60 . Os dados pré-operatórios continuam insuficientes para a detecção de um CaP concomitante. Enquanto o benefício funcional for questionável e os métodos de exclusão, com certeza, de um tumor prostático potencial, o risco de uma cistectomia poupadora de próstata permanece elevado.
A cura oncológica deve ser a prioridade principal na abordagem de doentes com tumores da bexiga invasivos. O outcome funcional, cada vez mais discutido, permanece um objectivo secundário. Até estar provado que a cirurgia poupadora de ápex/próstata apresente os mesmos resultados oncológicos que a cistectomia radical, a atitude sensata parece ser evitar aquele procedimento. Nos casos em que tal se pondere, esta opção terá de ser extensamente discutida e efectuada por mútuo acordo do médico e doente, que terá de ser devidamente elucidado acerca dos riscos associados. A experiência do clínico é também muito importante e o follow-up oncológico exaustivo. Uma forma de diminuir esse risco passaria eventualmente por um exame pré-operatório mais detalhado, que incluísse PSA, toque rectal, biópsias prostáticas transrectais e transuretrais e porventura o exame extemporâneo do segmento uretral/ apical bem como uma RMN pélvica. O doente teria também que possuir uma boa função erétil pré-operatoriamente, o que frequentemente não é o caso, dada a idade avançada com que muitos são operados. A incidência do adenocarcinoma da próstata incidental nas amostras de cistoprostatectomia é altamente variável, mas elevada, o que é esperado dada a idade avançada dos doentes. O seu impacto na sobrevida do doente a longo prazo parece ser ainda motivo de discussão e os dados não são conclusivos acerca de qual o tumor mais preponderante no prognóstico. Para terminar, parece-nos pertinente, no futuro, determinar se existe efetivamente uma via de carcinogénese comum aos dois tumores.
Os autores declaram não haver conflito de interesses.
Published on 11/04/17
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